Por mais que seus olhos tivessem permanecido abertos durante toda a dança, ela não conseguiria se lembrar de todo o caminho que fez, movimentando-se, até a queda. Quando se deu por si, estava no chão, os olhos fechados; e o que restava de sua fantasia era uma nebulosa memória da música tocando, e de sua mente tão focada a ponto de sufocar. Se a perguntassem como ela caiu, não saberia responder, de modo a nem mesmo reconhecer em que parte da música estava quando vacilou. A obra clássica de Tchaikovsky continuava, alta, a ecoar pelo teatro até o técnico de som desligá-la, enfim. Um respiro de alívio pelo silêncio escapou, em meio ao som alto dos passos que corriam para perto de Akemi e percorriam o teatro. Logo, as bailarinas pequenas já estavam ao seu redor, junto com o técnico e o diretor, que parecia distante, mas surpreso.
- Não achei que fosse... – Ele balbuciou, parecendo chocado. A voz estava meio vacilante, enquanto ele se aproximava de Akemi. – Machucou?
- Akemi! – Gritou uma das meninas, a voz aguda fazendo enfim a solista abrir os olhos. – Machucou? Eu tenho curativo, mamãe me deu curativos!
- Ah... eu caí? – Indagou.
A frase foi sucedida por um profundo silêncio, até alguém começar a rir. Logo, toda a trupe começou a rir, alto, enquanto as meninas tentavam consolar a solista com curativos cor de rosa repletos de corações. O único que não ria naquele momento era o diretor, que parecia observar o pequeno caos ao seu redor; sisudo, incompreensível. Akemi viu-se envergonhada, o rosto tornando-se quente, e seus olhos se voltaram para os de Brito.
Nunca havia os visto tão de perto. Eram escuros, pareciam uma noite profunda, infinita guardada naqueles orbes mortais. Se pegou pensando se ele estava preocupado, e logo deu de ombros: “Ele nunca foi assim”, suspirou, enquanto olhava as pernas em busca de algum ferimento. Mal virou a cabeça, e Akemi sentiu uma ardência na região do joelho. Moveu-o, ardia um pouco em contato com a madeira; não era insuportável, mas atrapalharia os ensaios. Uma pequena mancha de sangue estava no chão, e as meninas mais novas pareceram assustadas, encolhendo os ombros e soltando exclamações.
- Akemi! O joelho, ralou o joelho! – Gritou a mais morena, sem saber o que fazer. As outras meninas ficaram quietas, e logo as risadas cessaram. – Dói??
A resposta era um pouco óbvia.
- Arde, mas, bem... Posso continuar. – Sorriu, meio sem jeito. Depois das risadas que, mesmo sem maldade, apareciam no eco daquelas quatro paredes, e de seu vacilo paranoico, não queria nada mais que descansar.
- De jeito nenhum. – Disse o diretor, erguendo o corpo, que há poucos segundos estava agachado perto dela. – Silêncio! Um pano molhado, aqui, e o próximo, quem é? – Com o bloco de notas e a caneta em mãos, anotou o pedido do pano úmido e o acontecido, rápido e eficaz, martelando a caneta contra o papel fino.
- Sou eu, diretor, e a Milena. – Respondeu um dos poucos rapazes bailarinos, que parecia ansioso. – Lago dos cisnes.
- Aqui. Para o meio do palco. – Fez um sinal com os dedos para o técnico de som, que voltou para sua mesa, escolhendo a música dos próximos artistas. Logo, Brito agachou novamente, e estendeu um braço para Akemi. – Vem. Deve ter alguém para cuidar disso.
Sem outra escolha, Akemi contornou com um braço o pescoço do homem, e se deixou levantar e ser guiada por ele. Descer do palco fora complicado, já que ele tremia, apesar de ter força suficiente para levá-la. Longe do palco, a bailarina podia sentir um alívio em seu peito, passando até mesmo a respirar mais suavemente, como um detento saindo de uma prisão, embora em seu íntimo não entendesse o que faria o sério e comprometido diretor a levar até a enfermaria por um joelho ralado.
Se sentia voltando a época de sua infância. Caía de bicicleta ao andar na rua, esfolando o joelho, os cotovelos e tudo que pudesse machucar enquanto disputava corridas com sua irmã mais nova, e terminava o dia rindo, mal se importando com o machucado que fosse, ou com os rasgos em sua roupa. Hoje, se via preocupada com a meia calça perdida; com o sangue manchando a saia e a impressão de que o tempo havia passado. Não sorria, se lamentava que não poderia praticar por uns momentos, talvez um dia, até o ardor lhe dar paz para prosseguir a música. Também se xingava em sua mente, pelo acidente e pela distração que a fizera cair estupidamente, murmurando um pouco alguns resmungos. Parou com as ruminações ao ver o olhar do diretor inclinado para seu rosto.
- Viu, Brito, obrigada. – Balbuciou, sorrindo, tímida. Passou a sustentar mais o corpo com a perna sem feridas, procurando mostrar que estava bem, que tudo estava bem. Queria passar daquela vergonha e voltar para o palco, observar seus colegas, fantasiar com o dia do festival. Mas o diretor não a soltou, nem tornou mais frágil seu apoio. – Digo, pela ajuda.
- Tudo bem... hã...
- Akemi.
- Akemi. Tudo bem. – Ele suspirou, caminhando devagar até a enfermaria. Queria correr até lá, mas se preocupava com possíveis luxações, temia perder uma bailarina, arruinar o festival. Mexeu a cabeça preguiçosamente, buscando afastar aquelas paranoias da mente e da alma, focando na moça que apoiava. – Eu sinto muito. Devo ter te pressionado com a minha fala.
- Me pressionado? Imagine, não me senti pressionada. – Respondeu, mas sabia que era mentira. Focava muito nos possíveis defeitos, e queria fazer o mais perfeito possível. O aspecto técnico dos comentários do diretor a deixavam usualmente tensa, de modo que preferia a perfeição para evitar de escutá-los. Esse era o único aspecto em que o chamaria de irritante.
- Hm. – Ele respondeu, sem responder. Os olhos se voltaram para a frente, e Akemi passou a imaginar se aquilo era sua culpa, por mentir. Mas ele parecia sereno, apenas empurrando a porta de uma sala que era usada como enfermaria.
Era uma sala apertada, branca e com uma maca e um armário simples, sendo utilizada somente em casos de emergência, até a ambulância chegar. Ao menos, estava limpo e organizado, e dentro dele geralmente se apresentava um estudante de medicina que estagiava ali. Ele ficava a maior parte do momento próximo ao palco, observando os ensaios e se assegurando que nenhum dos artistas passaria mal por exaustão ou acidentes. Convenientemente, ele não estava próximo ao palco, e muito menos dentro da sala. Estavam ali somente Brito e Akemi, sozinhos. Ele a apoiou para que pudesse se sentar na maca, e logo que a viu bem acomodada, passou a abrir o armário, procurando curativos e remédios. Bendita medicina, que criava desculpas para que não precisassem se olhar nos olhos, naquele silêncio.
- E o médico? – Indagou Akemi, sentindo o incômodo da quietude na garganta.
- Oh... o médico? – Parou de segurar um frasco de xarope, pensando. A mão parada no ar logo avançou de novo, percebendo que não se aplicavam xaropes em lesões. – Eu... – Pensou. Não lembrava nem ao menos quem era o médico, mas que ele devia estar ali, deveria. Seria um caso de falar com a prefeitura? Talvez não... – Não lembro?
- Não lembra?
- Não.
- Nem do nome dele? – Não só parecia surpresa, seu queixo caiu em pura descrença. Os rumores nunca pareceram tão reais. Pensava que ele ignorava o que sabia, ou que tinha prazer em ver a irritação alheia ao esquecer seus nomes, funções e músicas. A única coisa que ninguém o via esquecer era o passo a passo de cada dança, os detalhes de cada cenário e o significado de cada cena. Estranho, soava falso que uma memória tão fraca e tão forte pudesse existir, lembrança de nada, de tudo. Ouviu um suspiro.
- Não.
- Então...
- Acho que posso cuidar disso até ele chegar. É só... – Encarou a ferida na perna de Akemi, depois comparando dois frascos de remédio. - Um ralado. - Disse, ajoelhando na frente dela e afastando alguns fios rebeldes de linha da meia calça rasgada naquela região, focado. Com um pano úmido, começou a limpar os arredores do machucado, com cuidado. Viu um olhar ansioso de Akemi em sua direção e desviou o próprio, cumprindo seu trabalho com uma precisão invejável. Não fazia arder e limpava o que podia do sangue, a mente vagando por outro lugar. – Preciso ver o que aconteceu com aquele palco...
- Fui eu quem caí, Brito.
- Mas não devia ralar assim. A madeira parecia áspera quando inspecionei ontem, mas achei que não faria algum estrago...
Akemi tomou um semblante de dúvida.
- Você lembra?
- Do que?
Era inacreditável. E irritante. Mas divertido.
- De ter inspecionado ontem. – Queria testar. Decidiu ver até onde iria a memória daquele homem excepcional.
- Claro que lembro... eu fiquei até as nove e quarenta e três olhando todo o teatro. Depois voltei para casa, e fiquei escrevendo o cronograma do festival até uma e cinquenta e sete. Anotei o detalhe do piso e vou encaminhar o problema hoje, perto da hora do almoço, e então...
- Espere, espera. – Interrompeu a moça, completamente surpresa. – Se lembra de tudo isso?
- Claro. É minha responsabilidade cuidar do teatro.
- E dos nossos nomes?
Silêncio. O cômodo em que estavam pareceu subitamente menor, apertado e resumido ao encontro dos dois olhares, que se questionavam. O olhar de Brito era pura dúvida, desleixado e em repouso na visão enérgica dela, que se contraía – na alma – para tentar ver o que ele via, de sua altura e não de cima do palco. Lembrava que, quando ensaiavam, quando apresentavam, ele nunca os olhava na altura do palco. Olhava de baixo, sentado nas cadeiras; ou do alto, na insistência do camarote. Ela agora o via do mesmo jeito de sempre: Com ele agachado, o rosto na direção de seus joelhos, via-o de cima, sem poderem seus olhares se tocar sem o esforço da cabeça, para cima ou para baixo.
- Desculpe. Acho difícil lembrar de nomes... – Disse, a voz sem sinceridade, sem orgulho e sem alegria. Seu olhar, seus gestos se desculpavam e temiam uma represália, e por isso se tornaram mais distantes. Voltou a atenção para a ferida, cuidadoso.
Akemi não respondeu, mas não engoliu a resposta. Soava como um desaforo, e parecia absurdo que ele soubesse tanto, e não soubesse de nada. Não só parecia injusto, mas desrespeitoso, e incompleto. Um instinto, pressentimento de quem já um pouco viveu a dizia que faltava alguma coisa. Era como se estivessem tocando a música que dançava, a obra de Tchaikovsky, sem piano, sem instrumentos, as notas agudas antes das graves e uma bailarina de sandálias a dançar. Talvez funcionaria, com muito esforço – mas não soava ordeiro, correto. O silêncio começou a se tornar incômodo na sala, sem ambos nem ao menos pensarem em alguma coisa. Akemi agradeceu do fundo da alma ao médico quando este entrou na sala, sem muita cerimônia.
Era ainda um médico em formação. Devia faltar um ano ou menos para que se formasse, e ele estagiava ali, com o apoio do tio vereador. Fazia um bom trabalho e estava sempre atento, embora não houvesse muito o que fazer. Eram raras as lesões, então geralmente o estudante ajudava com os cenários, ou com tudo que pudesse; além de dar dicas de primeiros socorros e de como descansar os músculos depois do exercício. Era muito bem-quisto no teatro e na pequena cidade, todos tinham grandes promessas e predileções para seu futuro. Como se carregasse um fardo tão leve quanto sua sombra, ele caminhava em sua postura invejável de sempre: Coluna ereta, a cabeça nem alta, nem baixa, os olhos fixos no infinito à frente e nos olhos dos outros. Passava tal confiança que se assimilava a um líder nato, mas restrito aos trabalhos auxiliares e à seu pequeno quarto hospitalar. Ele entrou na sala, do mesmo jeito de sempre, mas com o olhar voltado aos dois, surpreso.
- Caiu, Akemi? Vim logo que me falaram. – Disse, nos lábios um sorriso gentil. Se curvou na frente dela, parecendo um gigante ao lado de Brito. – Fez direitinho, diretor. Eu vou passar rifocina aqui, para evitar que tenha alguma piora, e enfaixar. Pode doer um pouco, Akemi, mas em poucos dias vai melhorar.
Silêncio. O quase médico enfaixava agora a ferida, orientando a bailarina sobre como proceder com ela nos próximos dias, as vozes quase que em sussurros. O diretor permanecia como observador, pensando no que deveria ser melhorado para que ela não voltasse a cair novamente, focado em sua própria mente e preocupações.
- Tem alguma distensão muscular? – Indagou o diretor, ficando em pé. – Ela pode ensaiar?
- Não parece ter uma distensão...
- Mas hoje, Brito? – Akemi soltou um suspiro cansado, meio frustrado. Não voltaria a ensaiar até que estivesse bem acostumada com a dor no joelho, e isso estava decidido em toda sua mente.
- ...Não precisa ser. – Respondeu o diretor, cedendo. Era fácil convencê-lo do contrário, mas ele tendia a sugerir de forma arbitrária antes de ser convencido ou perguntar outra opinião. Se pensava sobre isso, diria que era “um dos males do poder”.
- Não deveria ser, diretor. Veja, ela acabou de machucar, deixe a moça descansar um pouco. – Insistiu o médico, a face calma. Viu Akemi concordar com um movimento da cabeça e deu um tapinha nas costas do diretor, suave, apenas para não soar agressivo. – Vão lá, vão tomar um café na secretaria, é minha receita médica.
- Tudo... tudo bem. Sinto muito... – Respondeu, parecendo um pouco confuso com o tapa leva nas costas. Estendeu a mão para a moça, oferecendo apoio para que ela se levantasse. – Um café, doutor?
- “Quase” doutor. – Brincou. – Meu nome é James, lembra?
- ...
- Vejo que não. Passou no psiquiatra, diretor?
- Me esqueci.
- Eu vejo. – Sorriu James, embora meio entristecido, preocupado. Sentia um pouco do seu orgulho como aprendiz de médico pender para um abismo profundo, visto que não conseguia diagnosticar o tão misterioso diretor. – Mas sim, café. Apenas para descansarem, entende?
- O café daqui é ruim... – Suspirou o homem. Fitou Akemi, os olhos presos nos olhos dela, apertados, como se estivessem pensando e refletindo sobre mil mundos. O desconfortável e estranho contato fez com que Akemi encolhesse um pouco, observando de volta e tentando compreender o que aqueles olhos queriam dizer. – Tem tempo depois do ensaio... fada?
A bailarina e o médico trocaram um olhar. Um, dois segundos, os lábios tremeram e não conseguiram, mesmo que tentassem se segurar. Estava rindo, não por zombaria ou desafeto, nem por desprezo, mas pela espontaneidade quase infantil que o diretor possuía, contraste com seu jeito sério e agora, confuso. Olhando-o de fora, ele parecia inabalável, inatingível e misterioso; porém, tão de perto, era seguro dizer que ele estava envergonhado, mais tímido.
- É Akemi, diretor. – Riu o médico, depois se acalmando com um suspiro longo, mas feliz. – A sua fada açucarada da dança é a Akemi, lembre dela pelo menos.
- Desculpe. Akemi. O ponto é, aceita um café depois? Eu não tomo o café daqui. – Disse, um pouco sem jeito. Seu rosto estava mais distante da vista dos dois, com o cabelo pendendo sobre ele. – Me sinto um pouco responsável pelo seu acidente. – O cenário o fazia parecer ainda mais desajustado, mas Akemi não conseguia negar um pedido assim.
- Claro, tudo bem, tenho o dia livre hoje. – Respondeu, sem pensar duas vezes. Havia um toque de delicadeza, de pura arte na fala dele, o que tornava mais estranho e misterioso fitar seus olhos. – Vou ficar para o ensaio, apenas para assistir, mas te encontro na saída? – Ele assentiu, ela se virou, deixando a apertada sala; o caminhar era um pouco dolorido pelo joelho, porém com o passar do susto, ela parecia bem. - Obrigada, quase doutor!
Saiu caminhando, os passos ligeiros, antes que um dos dois tivesse a chance de a chamar de volta. Caminhava pensando sobre os acontecimentos, as vergonhas e a estranha alegria que tinha de ver Brito chamando-a pelo nome, e sendo repreendido para lembrar dele. Andou um pouco mais, indo para perto do palco. Como esperado, sem o diretor, o ensaio parecia bagunçado: Algumas bailarinas estavam sentadas na beirada do palco, os poucos bailarinos conversavam em um canto, as meninas pequenas recolhiam migalhas do chão, limpando e conversando animadamente sobre sorvetes, e um casal tentava (com todas as letras) ensaiar seu número no meio da algazarra. O técnico de som parecia desligado do mundo, encarando o lustre simples no teto, e deixando a famosa música tema de “O lago dos cisnes” preencher o ambiente. Sentia-se estranha voltando, com alguns olhares pendendo para si, seu joelho, sua pessoa e as suposições de sentimentos que deveria ter, após ter sido amparada e socorrida por um homem tão... (excepcional?) esquisito, como o diretor. As bailarinas sentadas no palco, ao verem-na chegar, se aproximaram, sedentas por alguma novidade quente.
Já dizia o ditado: Em cidade pequena, tudo é pequeno, exceto a língua do povo. As meninas se achegavam, empolgadíssimas, perguntando todas ao mesmo tempo sobre tudo: O acidente, o machucado no joelho, se estavam dispensadas do ensaio, sobre o estudante de medicina (o queridinho do povo) e, principalmente, sobre o diretor, se ele havia feito algo estranho. Akemi suspirou.
- Sim, estou bem, só ralei o joelho, como se tivesse caído de bicicleta. Mas estou bem, o James também está bem, me atendeu como sempre, do jeitinho dele. – Recuou um pouco conforme elas se aproximavam, curiosas. Eram três no total: Milena, Juliana e Carla, as bailarinas mais velhas que ela por pouco tempo. Haviam já estudado juntas, na mesma escola na pequena cidade, mas não eram próximas. Seus contatos se resumiam aos contatos de garotas jovens, com pequenas saídas para festas e fofocas sobre rapazes e suas “inimigas”. – Não, acho que não estamos dispensadas, garotas! – Riu com a expressão desapontada das meninas. – E quanto ao Brito...
- Sim? Sim?
- Não fez nada demais. – Respondeu, frustrando um pouco mais as expectativas das meninas, se divertindo com os olhares confusos. – Me chamou para um café como um pedido de desculpas, já que disse que se sentia responsável pelo meu acidente.
Os olhares das mulheres brilharam, mas ao mesmo tempo seus gestos eram de receio, hesitação.
- E você vai? – Indagou Milena, confusa.
- Vou.
- Tem certeza? – Indagou a mesma mulher, agora cruzando os braços. – Sabe dos rumores sobre ele, não é?
- Como o rumor de que ele é esquisito... será que não é perigoso? – Cochichou Carla, no pé do ouvido da amiga. – Depressivo, quieto... Será que não vai fazer nada com você?
- É meio maldoso esse jeito de falar, sabe? Ele me apoiou até a sala médica, e não tentou nada. – Retrucou, um pouco aborrecida. Não suportava ouvir falácias quando sabia a verdade, e a verdade daquele momento é que Brito tinha sido atencioso de forma integral com ela, até deixá-la voltar ao ensaio. Antes que uma das bailarinas pudesse protestar de volta, a figura do diretor surgiu de trás do palco.
Ele bateu palmas, suavemente, e tudo virou silêncio. O olhar parecia severo, muito distinto do olhar desligado que Akemi viu na enfermaria, onde ele mais parecia um retrato de homem, uma impressão de olhar, distante e apagado. Algumas luzes se acenderam naquela íris opaca, os braços finos e fracos pareceram mais forte cruzados. A figura de autoridade, tão conhecida, rejeitada, e agora temida, fez com que sussurros surgissem, e se calassem pouco depois.
- Quem era o próximo? – Indagou, no silêncio ensurdecedor que havia se instalado. O técnico de som mostrou uma anotação breve, com nomes e a música. O mesmo casal que deveria ter dançado durante sua saída não tinha finalizado o ensaio. Inspirou o ar, e expirou. – Voltem a ensaiar, o casal... Milena e... Vinicius. O lago dos cisnes, certo? – Ia falando, enquanto caminhava até a beirada do palco e descia, em um único pulo. Sua postura não mudava, e seus olhos não encaravam mais nenhum outro par. Fez o sinal para o técnico de som, os dançarinos se posicionaram e os que não estavam ensaiando deixaram o palco. Brito se sentou na primeira fileira, e viu Akemi próxima dali. Olhou para ela e a chamou com uma mão, um convite singelo para que se sentasse ao seu lado.
Akemi seguiu o pedido, não amedrontada, mas curiosa. O olhar do diretor, antes irritado e brilhoso, agora parecia mais gasto, sem energia.
Não conversaram mais durante o ensaio. No palco, a música reverberava. Entre eles, o silêncio reinava.