Você pode, por favor, pensar nisso com carinho?
Scheffer
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 28/06/18 21:42
Editado: 25/11/18 08:46
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 5min a 6min
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Capítulo Único Você pode, por favor, pensar nisso com carinho?

Há tempos venho pensando em quanto a filosofia antiga nos dá pistas de como viver uma vida plena e bem vivida. Sim, há mais de dois mil anos, alguns de nossos ancestrais dedicavam um grande tempo, se não toda a sua vida, para refletir no modo humano de agir e pensar; modos estes, que parecem, nunca antes, tão ausentes nessa sociedade.

Segundo Pierre Hadot, a SABEDORIA é considerada em toda a Antiguidade um modo de ser, um estado no qual o homem é de maneira radicalmente diferente dos outros homens [...] entre as principais virtudes do sábio antigo, Hadot identifica a Igualdade de Alma, A Ausência de Necessidades e a Indiferença às Coisas Indiferentes, como características daqueles que “possuíam” a sabedoria. Mas, o que exatamente isso quer dizer?

Bem, todas estas são características muito simples, que direcionam o ser humano a ser e se conhecer, mas do que ter e se mostrar. Identificamos a igualdade de alma, como uma espécie de coerência consigo mesmo. Uma sintonia e respeito com seu corpo para com suas atitudes. Outra importante atribuição a este termo, é a adaptação ao que se tem e, ao que não se tem. Aqui, a resiliência aparece, como forma de exercício adaptativo e de certo modo, com a ênfase de viver no presente, possuindo gratidão pelo agora. Como exemplo, Hadot cita o diálogo O Banquete de Platão dizendo: “Assim Sócrates, mantém as mesmas disposições, quer seja obrigado a suportar a fome e o frio, quer ao contrário, se encontre na abundância”.

Aprender a viver com o que se tem, principalmente, se tratando de bens materiais, já são indícios da segunda característica citada por Hadot, descrita como: A Ausência de Necessidades. Dentre os filósofos citados por ele, encontram-se os Cínicos “Só depende de si, basta-se a si mesmo e reduzir ao máximo suas necessidades”; os Epicuristas “que trabalham, limitam e dominam seus desejos, não dependendo das necessidades”; e os Estoicos “que preferem dizer que é a virtude que basta a si só para obter a felicidade”.

Hadot ainda traz o exemplo de Aristóteles, que considera que o sábio leva a vida contemplativa porque não tem necessidade de coisas exteriores para se exercitar e porque encontra, com isso, em si, a felicidade e a perfeita independência. Lembramos aqui, da nossa intitulada sociedade do consumo, de como a ascensão exponencial do poder de compra, (produtos, produtos, produtos! Aqueles que fazem “a roda” girar – e como eu odeio essa roda...) nos imergem em um mundo mecânico de novas aquisições, satisfação instantânea e a perda, muitas vezes, do bom senso da real necessidade.

Estamos cegos e presos e um sistema alarmante, que desvirtua e enfatiza o que você possui e não o que você é (e eu sei que isso pode parecer uma conversa defendida pelos “invejosos”, aqueles que não tem condições de comprar tudo o que desejam, e por isso, acabam criticando), mas, longe deste pensamento, o que desejo expor aqui, é de fato que, independente do meu poder de compra, o importante é aprender a valorizar o que se tem (você pode ter uma roupa que pagou mais caro, em função da qualidade do produto por exemplo) o que critico é ter centenas de roupas, muitas, que você inclusive só usou uma vez na vida (ou nem se quer usou). Qual o problema disso?

O consumo exagerado extrai matéria prima em excesso, gera impactos ao meio ambiente, sem contar no lixo que isso gera (a pergunta que fica é: vale mesmo a pena defender isso dizendo "mas causa empregos e movimenta a economia?"). Outro problema que poderia abordar, é o fato de centenas de pessoas estarem juntando dinheiro para comprar marca e não qualidade. Se pedir porque exatamente você compraria determinado produto, ouso dizer que a maioria não consegue nem argumentar. Sobre isso, um alerta: Platão alertava quanto ao mundo das sombras, hoje, vivemos enganados pelo mundo das aparências, e é preciso um grande esforço para sair dele... alerto quanto ao exercício oneroso de se acumular e uma perda inestimável de não se viver.

E finalmente, a indiferença as coisas indiferentes! Mas, ser indiferente não soa como egoísta? Neste caso não. A indiferença citada por Hadot, diz respeito a indiferença em fatos que não podemos mudar. Citarei um exemplo corriqueiro: O medo que sentimos em perder alguém. O que você pode fazer? Aproveitar cada segundo com quem você ama, valorizá-la como pessoa, nutrir elogios e compartilhar bons momentos, fora isso, sobre a morte, não poderás fazer nada (sinto muito, mas é a mais pura verdade). Então, tratá-la como indiferente, pode ajudar a lhe fornecer a plenitude para continuar vivendo.

Incrível não? São apenas três características que resumem o nosso mais apaixonante modo de ser: a essência de nós mesmos. Pense nisso!

Referências: Referências: Hadot, P. (1999). O que é a filosofia antiga? (1ª ed. francesa 1995). São Paulo, Loyola. Abreviado: FA.

*Um agradecimento especial ao meu Professor Miguel Rossetto, pelas aulas que tanto me fazem refletir (foi na aula dele que aprendi um pouquinho sobre Hadot e os sábios antigos).

❖❖❖
Notas de Rodapé

U-A-U Se você chegou até aqui, é porque leu tudo (suponho neh) Obrigada pela leitura, espero ter lhe feito pensar um pouquinho! Abraços

Apreciadores (4)
Comentários (5)
Postado 29/06/18 12:51

Olá, tudo certo?

Olha, mais um belo texto seu. Gostei bastante da proposta dele, de nos fazer refletir de acordo com algumas ideias de pensadores antigos. Inclusive, como foi trazido no próprio texto, que bom que teve gente que viveu para pensar. Filosofia é vida. Também gostei de como o texto foi escrito. A narrativa está bem bacana e é bem feliz em trazer a ideia do texto para o leitor.

Sobre a ideia do texto, de o ser humano se curtir, se respeitar, se conhecer e simplesmente ser, olha, concordo muito. Acho também que o segredo para ter uma vida agradável e digna é justamente essa. Mas o incrível é que eu cheguei a essa conclusão momentanea (já tive várias certezas de modo de viver ideal...) por um caminho diferente, um tanto quanto mais triste, hehehe.

Bom, na verdade, eu até acho que o problema apontado pelo texto e o que eu vejo é o mesmo: mundo fútil, de aparências. Mas sei lá. Não consigo achar isso tão errado assim. Esse negócio de comprar-estragar-comprar é de fato algo que tira a essencia das pessoas, mas me pergunto se pessoas querem e precisam ter essencia. Por que elas não podem simplesmente ser gado ou engrenagem? Realmente temos que ser felizes? Realmente é possível ser feliz? Sei lá... Na minha opinião, ser conformado facilita muito as coisas. Até porque na história da humanidade, principalmente da reforma agrícola até hoje, o foco nunca foi felicidade, porque senão todos nós seriamos felizes passado tanto tempo, hehehe. Quem sabe o fator bilógica prevaleça sobre vontades, necessidades, desejos e nos faça viver, mesmo que inconscientemente, de forma que nos reproduzamos mais e mais. E convenhamos, esse jeito que vivemos é muito eficaz para isso. Somos 7 ou 8 bilhões de engrenagens sem alma que perpetuam o DNA humano. De repente estejamos destinado a isso e tão somente.

Mas para a minha vida, para mim, eu concordo bastante com a ideia do texto. Aproveite o que se tem, se importe com o que (e com quem!!!) mereça importancia e cuide de seu corpo e de sua alma (se tivermos uma). De fato, assim, ao menos individualmente, com o mundo pegando fogo, teremos uma vida mais digna do que ter de viver só de aparência.

Dito isso, agradeço imensamente a oportunidade de ler um texto que até referência bibliográfica tem, hehehe. Isso sim é algo raro por aqui. E outra! É raro também por trazer um texto que engrandece o leitor. Cara, isso é muito legal.

Parabéns! E até logo mais!

Postado 09/09/18 13:25 Editado 10/09/18 08:20

Opá Chico! (olha eu respondendo seu comentário depois de um século, perdão).

A respeito de seus primeiros parágrafos, agradeço sua análise. Em especifico sobre o autoconhecimento, confesso que não faz muito que descobri que minha vida só teria sentido, quando encarasse todos os meus problemas com uma perspectiva de quem quer se conhecer, saber aceitar e assim poder viver (posso dizer que depois disso, sou uma pessoa mais coerente e feliz inclusive).

Sobre a questão da "essência" ou da falta dela... às vezes penso que sou inclusive egoísta, de achar que o meu modo de vida, deveria ser aplicado a todos. (não igualmente, mas diria uma visão mais sustentável e um respeito aos animais, por exemplo). A questão é que com o tempo, eu realmente percebi que eu não tinha este direito, e tudo o que poderia fazer, era expor o meu modo de vida para tentar promover estas ações para as pessoas que realmente se identificam e querem se engajar em algumas "causas".

A respeito de nossa "conformação ameba" (se assim posso dizer), tenho que analisar que é triste, pois sinto que perdemos muito como humanidade. Faço o seguinte exercício, se todos tivessem uma preocupação maior com a sociedade (pensa na política por exemplo), desenvolvêssemos a argumentação, discussões críticas em prol de algumas causas e a tolerância, o quanto de nossa legislação não seria extinta com esse hábito!

Se respeitássemos mais a natureza (aí entra o problema de consumir, consumir, pois, pensando no ponto de vista individual, nenhum problema "o dinheiro é seu e você faz o que bem entender" mas, a natureza "é nossa" - nossa no sentido imanente a nós e todos os demais seres, e, acabar com ela aos pouquinhos, com tudo o que andamos consumindo sem controle, para "gerar riquezas", anda desgastando uma de nossas maiores riquezas!

A questão é que penso sim estarmos caminhando para um "abismo intransponível" ou, agora você me faz pensar, talvez sempre estivemos neste abismo!

Obrigada pela leitura e seus comentários :)

Postado 09/09/18 23:58

Oi, Ana. Muito bom ler sua resposta. Gostei muito do que tu disse e compartilho quase com todos os pontos trazidos por ti.

Inclusive, quero te recomendar um canal do YouTube muito bacana pra esse exercício constante de autoconhecimento: Neurovox, do professor e cientista Pedro Calabrez. Os vídeos são sobre cérebro (neurociencia), mente e comportamento. É muito bacana! Recomendo assistir do vídeo mais velho ao mais novo.

Espero ter oportunidade de discutirmos todas essas ideias que discutimos aqui fora daqui! Ou, pelo menos, mais frequentemente por aqui!

Postado 11/09/18 16:02

Uma reflexão interessante, cheia de verdades, que pode mudar o quem nós somos e o como vivemos.

Estou impressionado pelo texto. A clareza de ideias e a riqueza que trazem são uma inspiração a todos.

Só posso parabenizá-lo pelo excelente trabalho.

Postado 24/11/18 22:18

Muito grata pel leitura e comentário Luke, saber que lhe fiz pensar um pouco a respeito, é meu incentivo de continuar escrevendo, obrigada! <3

Postado 25/09/18 22:16

Que texto maravilhoso, reflexivo e com um rico conteúdo. Como sempre, estou admirada pela sua maestria em desenvolver os mais simbólicos temas.

Meus parabéns <3

Postado 24/11/18 22:18

Grata pelo carinho Sabrina, um grande abraço!

Postado 24/11/18 14:01

Amo textos que me fazem pensar PRA UM SENHOR CARAMBA... Mais uma obra de arte que tive o prazer de ler hoje! Te agradeço imensamente por postá-la! Parabéns, como sempre, impecável.

Postado 24/11/18 22:19

Sou em quem agradeço pela leitura e comentário, Obrigada, de coração <3

Postado 25/11/18 16:37

Anaaa.... que coisa boa ler suas palavras, a sua interpretação e, especialmente, a valorização de um tema tão importante, que merece maior reflexão e aprofundamento. Fico imensamente feliz em saber que, de alguma forma, incentimo-nos mutuamente durante as aulas. Gratidão!!! Um abraço, com carinho! Miguel.