Um Simples Buraco
True Diablair
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 12/03/16 23:53
Editado: 24/05/16 12:18
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 5min
Apreciadores: 9
Comentários: 4
Total de Visualizações: 779
Usuários que Visualizaram: 29
Palavras: 626
[Texto Divulgado] ""
Não recomendado para menores de dezesseis anos
Notas de Cabeçalho

Singelo.

Fraco.

Clichê.

Texto antigo que, julgo eu, se adequa ao tema do desafio quinzenal Felicidade Mórbida. Como as regras do mesmo não exigem que a obra seja criada exclusivamente para tal, postarei afim de participar do evento, proposto/organizado pela Srta Pamela. Espero que não esteja violando o protocolo.

Sem mais, tenha uma boa leitura.

Capítulo Único Um Simples Buraco

Chegou a hora.

Hoje este homem cheio de ódio, amargura, tristeza e desespero que me tornei finalmente vai encontrar o que tanto procurou. Uns dirão que era a Morte. Outros que era Paz. Eu prefiro chamar simplesmente de Fim. Escuto as sirenes ressoando não muito longe. Sempre distantes demais. Nunca chegariam a tempo de me impedir e para o azar deles, já terminei há algum tempo. Estive um passo a frente o tempo todo, desde o começo. E agora, esta mistura insana de pega-pega com esconde-esconde está para acabar.

Dou um longo suspiro e apanho a bala. Eu a encaro por um breve instante e reparo bem nela, no seu formato, na sua cor, na sua consistência, no seu peso. Fico algum tempo reflitindo em como um objeto tão pequeno pode fazer um rombo tão grande não só no corpo, mas também na vida das pessoas. Parece injusto demais. Mas desde quando existiu justiça de verdade neste mundo maldito? Ainda mais aqui, no Brasil? Eu gargalharia bem alto se não estivesse tão destruído por dentro.

Era para aquele disparo ter pego na minha cabeça, não na dela! A única coisa realmente boa que já tive, arrancada de mim por um simples buraco por onde a vida dela se esvaiu por entre meus dedos enquanto aquele demônio menor de idade fugia de volta para o Inferno de onde deve ter vindo. Para onde eu o mandei lentamente e aos pedaços depois de caçá-lo, encontra-lo e captura-lo. Só que a satisfação da vingança desapareceu tão rápido quanto a vida da minha filha e agora estão vindo me pegar por ter feito o que era preciso. Hipócritas!

Cinco anos. Meu anjinho só tinha cinco anos...

Coloco a bala no tambor do meu único e verdadeiro amigo neste momento. Minhas mãos não tremem e meu braço não esmorece enquanto direciono o cano de meu revólver para a minha têmpora direita. Ou seria melhor deixá-lo abaixo da mandíbula? Talvez dentro da boca, pressionando o único céu que realmente me importa agora! Fico indeciso por um momento, mas por fim mantenho a primeira opção por ser a mais próxima da que minha garotinha teve. Ouço os gritos alvoroçados lá fora, meio que vagamente. Prefiro prestar atenção nesta foto no meu colo, onde ela e eu estamos juntos. Meu Deus, como sinto sua falta, querida!

Afinal, não posso tocar ou conversar com o fantasma, alucinação ou seja lá o que me acompanha desde o seu funeral.

Falta pouco para o Natal. Vingança foi o meu primeiro presente para ela; espero que tenha gostado de tudo o que fiz com aquele desgraçado! Eu até realizei doações de sangue nele para que pudesse extrair tudo o que podia dele em matéria de dor e sofrimento. Não sobrou muita coisa para contar história, no final das contas... Mas ele fez pior comigo, não fez? Aquele lixo me deixou sem nada. NADA. E agora, vou providenciar um último presente, a única coisa que ainda posso fazer por você, minha filha.

Oh, já voltou? Não, está tudo bem, pode ficar. Só eu posso te ver, lembra?

Ouço os estrondos surdos e violentos contra a madeira. Não me importam nem um pouco, na verdade. Mesmo que mil homens invadissem esta casa, o final deste pesadelo de modo algum poderia ser mudado. Antes de mover meu dedo, me permito sorrir com a ironia da situação; um simples buraco nos separou. Agora outro igualzinho vai nos unir novamente. Que seja.

Não chora mais não, filha: o papai já está indo. Só olha para o outro lado da sala e espera um instante, tá bom?

Nunca mais vamos nos separar de novo. Eu juro.

(estampido ecoando no quarto, seguido do baque de um corpo despencando no chão enquanto uma porta é arrombada)

❖❖❖
Notas de Rodapé

Muito obrigado pela leitura e por quaisquer reviews.

Apreciadores (9)
Comentários (4)
Comentário Favorito
Postado 27/03/16 21:51

Olha, eu sou uma péssima amiga, porque é o primeiro texto que leio da sua autoria, Manu. E sinceramente? Eu nunca estive tão arrependida em toda a minha vida, pelo simples fato da sua narrativa ser magnífica. Os detalhes, os sentimentos, as palavras tão bem escolhidas deixaram um clímax incontestável! E que clímax, se me permite dizer.

Céus, eu senti o aperto no coração desde o momento em que o protagonista compara o tamanho da bala com a sua consequência. É surreal, é doloroso, é tão... Real. A sua narrativa me permitiu visualizar as cenas, tanto do flashback da filha sendo segurado pelos braços do pai enquanto ele observava a causa de sua sede de vingança fugir, até o momento onde se encontra realizado momentaneamente, prestes a dar o único passo para novamente estar ao lado da filha.

E falando em filha, meu peito se apertou com esse breve monólogo. Era como se eu pudesse vê-la também, é como se eu pudesse vê-la chorando pelo sofrimento do pai, seguido de um virar para não olhar o suicídio de seu progenitor, e, quem sabe, um sorriso ao finalmente se encontrar com aquele que lhe dera a vida?

Eu de fato gostei, aliás, gostar é pouco, acho que as palavras tornam-se inferiores perante a admiração que nutri pela sua escrita. Mais do que um texto que narra o motivo do suicídio do protagonista, é uma crítica social, uma crítica à violência... Uma crítica à injustiça que ocorre no mundo inteiro. Porque ele apenas tinha a filha, sua filha era seu bem mais precioso, o seu tesouro, que lhe foi tirado de uma forma indignante, de uma forma onde não houve uma punição das pessoas que o deveriam fazer.

Uma breve vida tirada em míseros segundos, por um objeto tão pequeno quanto comparado a sua idade em relação ao que deveria ter vivido; um simples buraco. Um simples buraco no corpo infantil, um simples buraco no coração daquele que viveu, um simples buraco na mente daquele que encontrou no fim a sua aliada para deixar de sofrer.

Parabéns pelo texto. Eu agradeço por ter participado do desafio, e ter mostrado uma visão magnífica e bem descrita sobre uma felicidade mórbida.

Postado 28/04/16 01:08

SATÃ DO HELL, SRTA PAM!

Me faltam palavras (e até mesmo o fôlego, por Lúcifer!) para responder tão profundo, detalhado e enaltecedor comentário... Sus análise sobre meu texto é de uma sensibilidade e complexidade que me tomam de assalto e agigantam imensamente a sensação de felicidade pelo dever cumprido: o de lhe ter promovido uma boa leitura.

A senhorita foi muito além do que quer que eu tivesse desejado transmitir com esta obra e só posso lhe agrader regia e humildemente por tamanho respaldo e consideração...

MUITO OBRIGADO, DE TODO O MEU MALDITO E ENEGRECIDO CORAÇÃO! GRATÍSSIMO, GRATÍSSIMO!

Postado 13/03/16 20:16

Bah, que texto massa. Muito bom como retrataste a mente doentia do sujeito. Que coissa horrível isso tudo que aconteceu com ele e isso tudo que ele fez. Espero que tenha encontrado paz, mesmo procurando só pelo fim.

Postado 13/03/16 20:27

Muitíssimo obrigado por prestigiar esta modesta obra com sua leitura e review tão positivo! Inspirei-me grandemente no filme épico (ao meu ver) "Código de Conduta" para criar este texto.

O Fim por vezes parece mais preferível, senão mais correto, do que quaisquer outras opções. Ao menos a este autor doentio, niilista e desgraçado.

Gratíssimo! Gratíssimo!

Postado 03/09/16 18:24

Eis aqui um texto que me emocionou profundamente!

Não sei qual foi a sua real intenção com este texto e tal, mas independente disso, e independente da opinião das pessoas que dizem que foi horrível o que o homem fez, eu digo que não foi.

Me julguem, me batam, me prendam, façam tudo comigo, só não me deixem deixar de acreditar que o homem fez o certo!

''Aquele demônio menor de idade'' já diz por si só o porquê eu acho que o homem esteva certo em fazer o que ele fez, afinal, nada nem ninguém mais iria fazer nada com ele...

Perdão Diablair, se talvez, por algum motivo, você tenha uma opinião contrária à minha... mas como o senhor mesmo já me disse, não podemos ter as mesmas opiniões e gostos 100% iguais a todos os instantes... certo?

Sinceramente, mais que sinceramente, eu amei esse texto, em todos os sentidos possíveis.

Me fez sofrer ler essas linhas mórbidas...

Parabéns meu Diab!

Um abraço muito apertado!!

Meiling!

Postado 05/09/16 05:00

Srta Meiling, saiba que neste caso em específico, compartilhamos a mesma opinião em todos os âmbitos. Pode acreditar. Aliás, é até bom saber que temos mais isso em comum. Satanás nos cuida.

Nem pode imaginar o quanto me sinto agraciado e orgulhoso por esta obra ter lhe despertado tal emoção! É a maior e melhor recompensa que um autor pode ter! Muitíssimoobrigado pelo review tão positivo e enaltecedor! Gratíssimo, gratíssimo!

Postado 05/05/17 14:02

Eu lembro desse texto. Lembro de como fiquei surpresa ao ler tudo isso. Você é um monstro, moço. (No melhor sentido que existir dessa palavra)

Postado 05/05/17 22:36

Somos, Moça. Somos!

Gratíssimo, de todo o meu pesaroso e infecto coração! Gratíssimo!

Outras obras de True Diablair

Outras obras do gênero Cotidiano

Outras obras do gênero Crítica

Outras obras do gênero Drama

Outras obras do gênero Mistério