Chegou a hora.
Hoje este homem cheio de ódio, amargura, tristeza e desespero que me tornei finalmente vai encontrar o que tanto procurou. Uns dirão que era a Morte. Outros que era Paz. Eu prefiro chamar simplesmente de Fim. Escuto as sirenes ressoando não muito longe. Sempre distantes demais. Nunca chegariam a tempo de me impedir e para o azar deles, já terminei há algum tempo. Estive um passo a frente o tempo todo, desde o começo. E agora, esta mistura insana de pega-pega com esconde-esconde está para acabar.
Dou um longo suspiro e apanho a bala. Eu a encaro por um breve instante e reparo bem nela, no seu formato, na sua cor, na sua consistência, no seu peso. Fico algum tempo reflitindo em como um objeto tão pequeno pode fazer um rombo tão grande não só no corpo, mas também na vida das pessoas. Parece injusto demais. Mas desde quando existiu justiça de verdade neste mundo maldito? Ainda mais aqui, no Brasil? Eu gargalharia bem alto se não estivesse tão destruído por dentro.
Era para aquele disparo ter pego na minha cabeça, não na dela! A única coisa realmente boa que já tive, arrancada de mim por um simples buraco por onde a vida dela se esvaiu por entre meus dedos enquanto aquele demônio menor de idade fugia de volta para o Inferno de onde deve ter vindo. Para onde eu o mandei lentamente e aos pedaços depois de caçá-lo, encontra-lo e captura-lo. Só que a satisfação da vingança desapareceu tão rápido quanto a vida da minha filha e agora estão vindo me pegar por ter feito o que era preciso. Hipócritas!
Cinco anos. Meu anjinho só tinha cinco anos...
Coloco a bala no tambor do meu único e verdadeiro amigo neste momento. Minhas mãos não tremem e meu braço não esmorece enquanto direciono o cano de meu revólver para a minha têmpora direita. Ou seria melhor deixá-lo abaixo da mandíbula? Talvez dentro da boca, pressionando o único céu que realmente me importa agora! Fico indeciso por um momento, mas por fim mantenho a primeira opção por ser a mais próxima da que minha garotinha teve. Ouço os gritos alvoroçados lá fora, meio que vagamente. Prefiro prestar atenção nesta foto no meu colo, onde ela e eu estamos juntos. Meu Deus, como sinto sua falta, querida!
Afinal, não posso tocar ou conversar com o fantasma, alucinação ou seja lá o que me acompanha desde o seu funeral.
Falta pouco para o Natal. Vingança foi o meu primeiro presente para ela; espero que tenha gostado de tudo o que fiz com aquele desgraçado! Eu até realizei doações de sangue nele para que pudesse extrair tudo o que podia dele em matéria de dor e sofrimento. Não sobrou muita coisa para contar história, no final das contas... Mas ele fez pior comigo, não fez? Aquele lixo me deixou sem nada. NADA. E agora, vou providenciar um último presente, a única coisa que ainda posso fazer por você, minha filha.
Oh, já voltou? Não, está tudo bem, pode ficar. Só eu posso te ver, lembra?
Ouço os estrondos surdos e violentos contra a madeira. Não me importam nem um pouco, na verdade. Mesmo que mil homens invadissem esta casa, o final deste pesadelo de modo algum poderia ser mudado. Antes de mover meu dedo, me permito sorrir com a ironia da situação; um simples buraco nos separou. Agora outro igualzinho vai nos unir novamente. Que seja.
Não chora mais não, filha: o papai já está indo. Só olha para o outro lado da sala e espera um instante, tá bom?
Nunca mais vamos nos separar de novo. Eu juro.
(estampido ecoando no quarto, seguido do baque de um corpo despencando no chão enquanto uma porta é arrombada)