Cecília não é uma menina triste
Malva
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 07/10/20 20:17
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 4min a 6min
Apreciadores: 5
Comentários: 5
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Palavras: 770
Não recomendado para menores de catorze anos
Notas de Cabeçalho

Vamos lá, eu como exemplo total venho avisar que entendo se não chegarem ao fim desse texto. Eu mesma não leio textos longos, raramente aqui na AC eu dou o ar das graças (o que pode até espantar os autores).

Um recado importantíssimo: Esse texto apresenta conteúdo que pode se tornar gatilho a muitas pessoas, então cuidado ao lerem. Se não se sentirem a vontade, não leiam. REPITO: NÃO LEIAM.

Dado o recado, prossigo. Esse texto vem com alguns intuitos. Como estudante de Letras, tenho que me deparar com diversas questões e uma delas é a questão interpretativa. Existem três milhões de formas de interpretar e cada uma delas reflete mais do leitor do que da obra em si e essa aqui não é diferente.

Como autora de vários textos tristes (quem lê meus textos com frequência sabe do que eu to falando) me deparo com inúmeros comentários positivos tipo: Vai ficar tudo bem! Espero que melhore! Você é mais do que isso! Ele não te merece! etc.etc.etc. tals. Chega a ser fofo (e eu amo essa atenção e esse carinho), mas eu fico rindo (com respeito, eu juro) pelo fato de que muitas vezes eu não sou e nem sinto o que escrevo.

Sim, existe uma manifestação do autor nas obras, mas até que ponto vocês permitem essa manifestação afetar a interpretação de vocês? Esse é o experimento que venho a fazer aqui, nesse mísero texto.

Estou curiosa para saber a opinião e a interpretação de vocês <3

Capítulo Único Cecília não é uma menina triste

Cecília, em seus 20 anos recente, tem uma rotina peculiar. Como qualquer jovem adulto, acorda cedo – mesmo tendo desligado o soneca do alarme 6 vezes mais do que deveria – levanta correndo e se arruma para ir a faculdade. Pega o trem lotado e quando de bom humor, dorme enquanto se pendura nada elegantemente no corrimão para não cair.

Por ser bem atrapalhada, em sua pressa para chegar no andar a tempo, deixa sua garrafa de água cair no vão entre o trem e a plataforma, mesmo tendo escutado a moça do trem avisar inúmeras vezes que se deveria ter cuidado ao sair do mesmo.

Mas nada disso a abala. Nem mesmo quando chega na sala toda suada e recebe um olhar reprovador da turma, nem quando o professor discretamente a encara como se questionasse o que ela estava fazendo ali. Nem quando recebe mais um trabalho de 12 páginas para a semana que vem junto a um seminário.

Nada disso abala a feliz Cecília, que nos intervalos, desce 3 andares só para comer um brigadeiro, um salgado integral de queijo minas com cebolinha e o suco do dia. Não tem como Cecília ficar triste quando come no bandejão ao lado das suas amigas e faz palhaçadas sem parar.

Nem mesmo quando ela volta para casa no calor desgraçado do Rio de Janeiro colada a estranhos no trem. Ou quando precisa andar a pé da estação a sua casa, numa distância considerável. Quando tem tempo, até visita sua avó que mora no caminho. Troca umas ideias, zoa plantão com a doce velha e depois volta para casa.

Cecília não se abala quando tem que encarar vários trabalhos acadêmicos de madrugada, nem mesmo se estressa quando seu pai vem dar bronca por dormir tarde, ou quando sua mãe quer desabafar justamente quando ela está tentando se concentrar no texto que já releu 3 vezes e não entendeu nada. Muito menos quando seus irmãos colocam o som da TV no máximo e decidem se gladiar.

Nada disso abala a sempre sorridente Cecília, que coloca seus fones de ouvido, bota para tocar sua playlist que vai de SOD até PVRIS e feliz continua o seu trabalho. Às vezes se levanta para oxigenar o cérebro e quando tem coragem faz uns exercícios. Alonga e massageia seus ombros, pois passar muito tempo sentada a deixa com as costas e ombros travados. Seu maior medo é ficar corcunda ou precisar de um corretor de postura.

E o ápice de suas noites, quando não está morta de sono – difícil, mas existem esses dias – Cecília abre o seu site favorito, Academia de Contos. Lá, onde seus maiores pensamentos são expressados, ela é conhecida por suas obras tristes. Até pensou em compartilhar seus contos de terror, mas teve receio de ser taxada como insanamente depressiva ou potencialmente surtada. Também tinha receio de não serem bons o suficiente, então apenas se dedicava ao lírico. No entanto, quando Cecília estava em seu ápice de inspiração, abria uma aba no LibreOffice (que seria equivalente ao Word, mas como sua licença tinha expirado e ela não tinha dinheiro para pagar uma no momento) continuava sua história.

A história dos seus sonhos. Nela, uma personagem chamada Ana Beatriz estava prestes a ter um colapso nervoso. A personagem tinha um histórico conturbado, uma família extremamente complicada e sua vida foi recheada de tristeza desde o seu nascer. Ana Beatriz é extremamente o contrário de Cecília, que era feliz, tinha uma família tranquila e sua vida sempre foi tranquila.

Em seu ato, Ana Beatriz já estava a postos, seus pulsos inchados, seus olhos vermelhos e sua boca rachada eram prenúncio de seu fim. Depois de 9 comprimidos de passiflora, que não surtiram efeito nenhum, Ana Beatriz decidiu que precisaria de um efeito mais forte e talvez seja por isso que estava ela pendurada no parapeito da janela.

Cecília tinha certeza de que se fosse ela no lugar, teria uma plateia a impedindo, mas em sua história, Ana Beatriz não tinha ninguém, nem a si mesma, já que sua alma já estava morta a muito tempo. Então, apenas terminou com seu corpo. Um coro de estalos, um corpo deformado e nenhum silêncio de luto.

Cecília terminou de digitar, alongou novamente os ombros, salvou o arquivo e sorriu. Finalmente tinha terminado a história de Ana Beatriz. Ela precisava de um fim.

Cecília, uma menina feliz, ficou mais feliz por ter terminado mais uma história. Ana Beatriz não era a primeira, muito menos seria a última. A próxima se chamava Malva.

Cecília irá escrever outra história de uma menina triste.

Mas não se enganem, Cecília não era uma menina triste.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Para os curiosos: Meu nome é Ana Beatriz, tenho 20 anos, sou do Rio de Janeiro, vou de trem a faculdade, minha avó mora no caminho de casa, tenho uma rotina agitada e meu nome na AC é Malva.

Agora lidem com o fato de que tudo o que disse acima pode (ou não) ser verdade. Se for, será que Cecília é a autora? Ou na verdade Cecília é a personagem que Ana Beatriz escreve? Seria então, Ana Beatriz triste?

Lidem com essas informações, pegarei a pipoca.

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Comentários (5)
Comentário Favorito
Postado 07/10/20 20:36

Se for assim... Marvin é surtado, cresceu sendo pressionado fisicamente e mentalmente, desenvolveu um rancor extremo para com muitos familiares, mas certa vez foi morar com seu avô e... ao estar com ele e cinco crianças, sua alma foi curada Marvin viu quem ele mesmo era. Apesar de todas as adversidades, era um garoto positivo ria da desgraça era sonhador e sobre tudo protetor para com quem amava.

O que Marvin acha do mundo? Se pergunta todo dia pq os dinos levaram uma pedrada e os humanos estão aqui, no entanto cuida das irmãs que Deus deu. Elas durante a pandemia todo dia pedem ajuda nos deveres e apesar dele fazer 2 faculdades ( Bem perto da avó de cecília.) ajuda-as pq sabe como é dificil crescer sem uma base familiar ele com toda certeza faria igual Benjamin que luta contra terroristas e bruxos para salvar a priminha, Marvin virou uma boa pessoa. Porém apesar dos parkou é bem lerdinho.

Postado 07/10/20 20:45

O grande plotwist + spoiler de inúmeras histórias. Seu comentário é DIVINO. E eu estava esperando por ele (falo mesmo). Você, mais do que ninguém, pegaria todas as referências.

Mas sim, por esse lado.. Marvin, Benjamin, Cecília e seus autores precisam urgentemente de uma terapia.

Se pergunta todo dia pq os dinos levaram uma pedrada e os humanos estão aqui. Leu minha mente kkkkkkkk O que faz dos humanos tão especiais?

(A lerdeza é um traço de fofura).

Enfim, muito muito muito muito muito muito obrigada por seu comentário!

Postado 07/10/20 20:28

Depois de tantos bugs mentais, a certeza é que, Cecília precisa começar a baixar os aplicativos piratas para completar a faculdade.

Postado 07/10/20 20:31

Muito bom!!!! De fato, aplicativos piratas (espero que nenhum puritano leia isso) é a única alternativa de terminar a faculdade. Acabei fazendo propaganda gratuita.

E moça, tu lê rápido kkkkkk

Muito obrigada pelo comentário <3

Postado 07/10/20 22:14

Essa obra é uma explosão por todas as perspectivas em que eu a leia. Adorei a sua forma de escrita, os elementos do texto, mas principalmente essa proposta que você trouxe.

Obrigada por compartilhar conosco!

Parabéns, Malva ♥

Postado 07/10/20 22:25

Agradeço do fundo do meu coração, Ternurinha.

Faz um tempo que queria construir esse tipo de texto, principalmente após ler o capítulo "Cecília" no livro Escrevendo no Escuro de Patrícia de Melo.

Fico extremamente satisfeita ao saber que consegui gerar um sentimento parecido no leitor <3

Postado 08/10/20 09:17

Amei cada linha e expressão, me identifiquei, eu me vi, me vi em cada traço de Cecilia, uma menina que mesmo com tantas adversidades, não era uma menina triste, mesmo que suas obras fossem.

Senti cada sensação, e olha Malva, eu adoraria te dar um abraço, bem longo, cheio de amor, um chocolate quente depois, e dizer o quão incrivel você é <3

Postado 09/10/20 17:46 Editado 09/10/20 17:54

Eu amo sua presença! E fico extremamente feliz ao saber que se viu em alguém que (creio eu) seja feliz.

É muito curioso esse caso entre vida do autor e obra, e tenho certeza que mais do que ninguém, você entende dessa situação rs

Eu aceito esse abraço e o retribuo mais forte! Vivo para adorar-te, pois és muito preciosa para mim, minha Grande Estrela <3

Postado 08/10/20 16:34 Editado 08/10/20 16:35

Calma, eu preciso ir ao hospital costurar as partes da minha cabeça, pois ela explodiu.

Pronto, já remendei tudo, agora posso comentar hahaha

O texto inteiro é muito tocante e totalmente incrível, entra fundo na alma dos leitores e proporciona grandes reflexões!!

Fiquei pensando que Cecília era a personagem de Ana Beatriz, e por isso na verdade Ana Beatriz é feliz, e quem é triste é a Cecília (ideia reforçada pela capa do texto), mesmo que tenha muito de uma na outra!

Obrigada por compartilhar essa reflexão maravilhosa aqui conosco <3

Um enorme abraço para a senhorita <3

Postado 09/10/20 17:52

Eu peço desculpas, mas esteja ciente de que não me arrependo! rs

É uma relação curiosa, pois ambas coexistem em uma só pessoa. E quem na verdade é feliz? E quem é triste? São ambas?

Fico muito feliz por ter mostrado sua forma de interpretar, significa muito para mim. De verdade \\o/

Um grande abraço carinhoso e muito obrigada por sua atenção e carinho demonstradas em um comentário tão fofo <3

Fique bem!

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