Aquela Noite
6 de Janeiro
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 26/02/22 01:58
Editado: 26/02/22 02:18
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 13min a 18min
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Não recomendado para menores de dezesseis anos
Capítulo Único Aquela Noite

Eu a observava de longe no intervalo das luzes neon que rasgavam a sala...

Eu nem sabia de quem era o aniversário, ou se era um aniversário... Havia uma banda, será que o dono da festa é rico? Só sei que entrei na primeira festa que eu vi, precisava abafar um pouco os pensamentos, espero que o aniversariante não ligue de eu ter comido metade do bolo que já estava esquecido no balcão da cozinha suja...

Mas, eu ainda a observava, parecia não se encaixar na cena de pessoas felizes, gargalhando, bebendo e rodopiando no salão que teve os móveis afastados e cobertos por lençóis coloridos, que fazia a decoração ser caótica, abriram um espaço para uma pista de dança e eu ouvia pelo menos umas três músicas diferentes tocando ao mesmo tempo e todos os outros casais insanos se esfregando e desfilando com suas roupas novas... E ela observava tudo isso também por debaixo da franja, com aqueles olhos grandes que tentavam ser tímidos, porém se tornavam cada vez mais instigantes.

Para falar a verdade, eu também estava tentando parecer tímido, ou invisível, penso que consegui concretizar meu querer, pois ninguém ao menos falou comigo durante todo aquele tempo - talvez por que sou um intruso - me sentia mais um fantasma hipnotizado por uma garota quase viva. Isso poderia ser um problema?

Oh meu Deus, ela se levantou... Seria muito esquisito ir atrás dela? Ela nem deve ter me visto.

Enquanto eu entrava em pânico sobre qual o próximo movimento do cavalo no tabuleiro, ela sumiu do meu campo de visão, minhas pernas estavam duras e eu suava frio, que inferno, quem diria que eu encontraria uma nova obssessão momentânea, já pensei no nosso futuro juntos, brigas sobre não querer ter filhos, contas de água atrasadas e tudo mais.

Pra onde ela foi?

Me levantei com o corpo pesado, visão turva e bem sonolento, acho que nunca me senti assim antes... Ou, pelo menos, recentemente... Antes do bolo também joguei na goela algumas bebidas aleatórias da geladeira luxuosa, talvez estivessem batizadas ou esse peso no corpo é consequência do dia horrível que eu tive. Só queria uma saída, um quarto do pânico, uma bomba nuclear caindo bem em cima da minha cabeça... Meu eu, de três horas atrás, ao invés de ir para a casa dormir ou bater uma pra relaxar, decidiu entrar em uma casa estranha e comer de graça... Ainda não decidi se agradeço-o ou o esgano.

- Moço, pode me ajudar a abrir isso aqui? - uma mão delicadinha encontrou meu ombro esquerdo, me virei de imediato e...

CARAMBA, É ELA!

Não sei qual foi minha cara de choque, mas deve ter sido engraçada, pois ela deu uma gargalhada de porquinho, bem baixinha.

- O quê? - fingi não ter ouvido para ela falar comigo de novo antes de fugir.

- Me ajuda a abrir essa cerveja? Eu não acho um maldito abridor nessa merda de casa... - ela se jogou no braço do sofá.

E se eu não conseguir abrir essa cerveja? Eu nunca consigo, sempre passo vergonha, ela vai rir de mim, vai me achar tão inútil que vai pedir esse favor pra outra pessoa sem nem me esperar tentar e agora , o quê eu faço?

- Ahhh, pronto, consegui, mas obrigada mesmo assim. - ela fez a bundinha da garrafa brindar no colarinho do meu copo meio vazio.

- Desculpa, eu não tinha... Entendido... O som, está muito alto... - fiz uma careta provavelmente escrota, que a afastou de imediato. Burro, burro!

- Lá fora está bem fresquinho, vou lá. - ela prensou os lábios e saiu meio que saltitante, meio que apressada.

O que aconteceu? Ela me chamou pra seguir ela? Meu Deus do céu, por quê diabos , infernos, raios e trovões eu não consigo entender as coisas igual as outras pessoas? Eu vou é embora!

Me direcionei putasso pela minha ignorância e lerdeza, rumo à saída, desviando de meninas desacordadas e de caras vomitando, a luz da rua me cegou mais do que as luzes neons nauseantes.

Mas lá estava ela, sozinha sentada em uma mureta de pedra cinza.

- Bem mais fresco, né? - ela puxou assunto de novo, me fazendo esquecer o caminho de casa.

- Pois é... - suspirei e tomei coragem para me sentar ao lado dela.

Ela vestia uma calça boca de sino preta coladinha, uma blusa de veludo púrpura que cintilava, conforme as pitadas de luz colidiam com seu corpo, seus cabelos estavam livres e emocionantes, sendo mastigados pela ventania das 03h00 da manhã, ela usava um batom vermelho cremoso, que dava destaque a ainda mais cor a toda a obra prima que ela era.

Já eu, vestia minha calça jeans azulona de trabalho, uma camiseta não tão nova que estava suada e... Botinas VELHAS...? Puta que pariu... Botinas, não acredito que esqueci de colocar o tênis na saída do trabalho... Meu chulé amanhã vai estar insuportável.

- Tu veio direto do trabalho? - ela levantou as sobrancelhas, reparando nas botinas.

Me senti pobre e feio.

- Cara guerreiro! Se eu trabalhasse o dia todo e ainda tivesse clima pra festejar, eu poderia dominar o mundo... - ela deu um gole na cerveja.

- Ah... Eu não estou no clima, na verdade, nem conheço ninguém...

- Eu também não... Eu tinha um encontro na verdade, mas quando eu cheguei aqui... A pessoa já estava...BEM ocupada... Eu acho que eu demoro muito para sacar as coisas... Estava na minha cara esse tempo todo... - ela engoliu em seco, coçou o nariz e encarou os próprios pés nus.

Oh...

- Sinto muito, a pessoa que perdeu... - fui sincero.

Mas não pareceu desviar o pensamento dela das prováveis cenas desalentadoras que ela tinha visto, talvez eu não deva ter esse poder, mas resolvi tentar:

- Eu acho que essa pessoa é imbecil, se fosse um encontro de verdade, teria te levado em algum lugar especial e não em uma... Festa de adolescente...

- E quantos anos você tem? - ela me interrompeu, ríspida.

- 25... Eu não sabia que era uma festa de adolescente, não me ache esquisito.

- Ah, eu tenho 20. Eu não esperava que fosse uma festa de adolescente também, tá todo mundo se matando lá dentro, as pessoas não tem pai e nem mãe pelo jeito... Eu não pude sair de casa até esse ano, mas acho que minha mãe estava certa... Não tem nada de bom pra uma mulher sozinha em uma noite como essas. - ela suspirou com raiva.

- Bom... Eu nunca saí muito também, eu estava passando aqui na rua e vi essa movimentação toda, pensei que fosse uma casa de shows, mas... Não... - dei de ombros, nervosamente.

- Pelo menos eles tem uma banda boa... - ela levantou da mureta e alongou as pernas.

Passamos um longo período em silêncio, fiquei observando-a se esticar, quanto ia cheirando minhas axilar desfarçadamente, para checar o cecê, ok campeão, tá tudo certo.

- Qual seu nome? - resolvi perguntar, no meio de uma tosse.

- Dancing Queen. - ela disse prontamente.

- Quê? - eu ri de lado.

- E o seu?

- Não, é sério, qual é seu nome? - eu mordi os lábios.

- É Mariana. - ela disse num tom fúnebre.

- Tudo bem então, Dancing Queen, esse nome é esplêndido. Por quê sua... Mãe escolheu ele? - eu tentei forçar uma piadinha amigável.

- Ah... Daquela música...

- Qual música? - eu sorri nervoso, ela estava chegando mais perto.

- Essa que está tocando agora! - ela sorriu e seus olhos mágicos beijaram os meus, então meus ouvidos se abriram e percebi que ela estava acompanhando um ritmo que existia apenas e aparentemente, dentro de sua caixinha de música mental, ou, eu estava surdo e não conseguia distinguir mais sons.

- You can dance... - ela começou a cantar e a voz meio bêbada, meio rasgada, meio angelical dela, soou bonita demais abaixo das estrelas, naquele momento - you can jiiiive, having the time of your liiife - ela começou a dançar mexendo os ombrinhos e logo todo corpo estava mole, num transe de movimentos hipnóticos e retrôs - Ohh... - ainda mexendo os ombrinhos - See that girrrrrl - ela arregalou os olhos e apontou para si mesma - Watch the sceeeeene, diggingggg theeee dancing queeeeen!!! - e caiu na gargalhada pois desafinou no finalzinho.

Que linda!

Eu não parava de sorrir igual um abobalhado, nenhuma mulher jamais cantou para mim, nem chegou tão perto assim... Eu tive um show particular, e de graça! Eu me senti um rei.

- Uau, você canta e dança muito muito bem! Obrigada pelo show particular e gratuito, senhorita Dancing Queen. - eu fiz uma reverência e aplaudi sua performance e ela danou a rir.

Hanna se sentou ao meu lado novamente, parecia agitada.

- Que horas você vai embora? - perguntei rápido demais, maldita ansiedade.

- Acho que de manhã... Quando tiver ônibus ou menos malucos na rua.

Me levantei num pulo e fiz um ar de mistério, ela imediatamente me acompanhou com os olhos.

- Malucos? - sussurrei.

- É... - ela balançou a cabeça.

- MALUCOS??? - eu gritei e ela continuava parada, de boca aberta sorridente - Minha senhora, os únicos malucos que eu estou vendo aqui somos nós... Sinto muito te informar... Mas ouvi falar que não tem cura pra esses dois. Birutinhas, birutinhas. - fiz o famoso sinal de doido.

E caímos numa risaiada espontânea novamente... Uau, isso nunca me aconteceu.

- Aonde você mora? - ela perguntou limpando as lágrimas geradas pela crise de riso.

- Eu moro lá na rua não te interessa sua psicopata! - cruzei os braços e dei de costas - Não vou te passar meu endereço, vai que você aparece lá pra roubar minha pilha de roupas sujas???

Ela colocou as duas mãos no rosto e gritou como o menininho do Esqueceram de Mim.

- Como você descobriu meu fetiche em roupa suja? Será que isso aparece no Facebook? - e como de praxe, cagamos de rir de novo!

Ficamos analizando o momento insano em silêncio, olhando um pra outro, assentindo e fingindo pensar sobre algo surpreendente. Mas eu disse aonde morava e ela me disse que morava um pouco depois. Não aceitou que eu a acompanhasse até em casa, pois apesar de eu parecer legal, ainda era um homem que ela nem sabia o nome.

- Oh, desculpa, meu nome é Fernando, eu até esqueci de falar meu nome, fiquei meio... Distraído... - minha nuca ardeu.

- Tudo bem... Está bem tarde, se quiser ir embora, não se preocupe comigo, você deve levantar cedo... Eu vou arrumar um canto pra dormir aqui...

- Como você pode confiar nessas pessoas? É seguro dormir aqui? - fiquei pasmo.

- É que sei lá... Ir pra casa é uma merda. Eu queria, às vezes, que um meteoro caísse e me destruísse... Ia ser mais fácil. - ela arrotou baixinho e fez vento com as mãos, imaginando que eu não perceberia, percebi sim, mas nem me importei, foi... Estranhamente fofo.

- Ou... Que esse meteoro só fingisse te destruir, mas na verdade, é a sua nave mãe, te levando de volta pra uma casa aonde você pode ser inteiramente você... Eu conheço um lugar assim.

- Será que é agora que você me sequestra com um papinho romântico? - ela fez biquinho e me encarou.

Fiquei sem saber o que responder, então só apontei para as estrelas.

- Oh... É... Tem vários apês lá em cima, será que o IPTU já está incluso no condomínio?

- Hmmm... O IPTU é meio carinho, mas a vista vale a pena.

- Você sabe quanto custa?

- Não, mas ouvi dizer que pouca gente consegue.

- Eu sei o valor! - ela pulou.

Me fiz de surpreso, com a mão no peito.

- Qual? - indaguei admirado.

Então, aconteceu.

O meteoro que rasgou o céu, terra e mar naquele momento, é mais comumente conhecido como beijo inesperadamente seco, sincero e gentil. Eu não sei quem beijou primeiro, acho que fui eu, talvez tenha sido ela, mas foi estranhamente perfeito e pacífico.

Foi rápido, necessário.

Senti toda a dor nas costas indo embora num segundo e pude ver que ela se permitiu relaxar também, naturalmente...

E quando paramos e abrimos olhos... Sorrimos.

- Eu nunca gostei... TANTO... De um beijo estranho na minha vida toda. - eu disse aos gemidos e barulhos ofegantes, mais tarde quando nossas línguas resolveram se juntar de forma mais inapropriadamente fabulosa.

- Somos bons beijadores, mas nenhum profissional tira dez quando é pego de surpresa, ela beijou suavemente minha testa, enquanto meus olhos encontravam - finalmente - seus sapatos que estavam jogados de lado, solitários, assistindo a euforia.

- Achei seus sapatos, madame, agora já dá pra você me levar pra casa! - tirei-os do meio da areia e mostrei a ela, que sorriu com o batom todo borrado.

Gargalhou de novo, e eu logo em seguida, nunca pensei que fossem tão engraçadas as merdas que eu dizia.

Mas ela parecia inteligente, sincera e confiante e cansada...

E linda...

De fato.

Eu sempre vou me lembrar sobre aquela noite, sobre os grandes olhos, sobre a Dancing Queen, sobre os apartamentos nas estrelas, sobre levarmos um ao outro para a casa e vermos o nascer do Sol juntos - a primeira de infinitas outras vezes - e sobre o melhor pior beijo do qual já participei.

Naquela noite, o amor nos trouxe de volta nossas almas que algum dia perdemos por aí... E depois daquela noite... Não que tenhamos sido felizes para sempre, mas continuamos sendo malucos unidos enquanto tivermos de ser, com a perfeita certeza de que essa música, foi feita pra fazer a magia acontecer!

See that girl,

Watch the scene...

❖❖❖
Notas de Rodapé

Texto romantiquinho iti, obrigada por lerem, eu amo esse projeto e amei a música que escolheram pra mim!

Apreciadores (2)
Comentários (1)
Postado 12/04/22 00:15

Eu adorei tudo, principalmente esse adoravéis dialógos entre os personagens.

Seis, ´encantador como seu texto me deixou submersa da cabeça aos pés o tempo todo, de forma que eu deseji profudamente saber o fim. Meus siceros parabéns por tal obra-prima e fique aqui registrado que votarei na sua obra para AC de Ouro 2022!!

Muito obrigada por me dar a oportunidade de ler sua obra, eu amei!

Assinado uma pequena vampira, ♥

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