Não Havia Outro Lugar
True Diablair
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 27/01/16 12:07
Editado: 26/02/16 09:34
Tags: Verdade
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 9min a 12min
Apreciadores: 4
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Palavras: 1559
[Texto Divulgado] "Cinzas no Deserto" Uma história baseada em algumas histórias baseadas em histórias que tanto amamos, de coração. Bora ler.
Não recomendado para menores de doze anos
Notas de Cabeçalho

Dedico este texto a todos os meus escassos amigos e em especial ao autor Dissociado, cuja pequenina e peculiarmente sombria obra "Lugar Nenhum" me inspirou a criar este conto grotesco, malevolente e repugnante.

Leia por sua própria conta e risco.

E sim, como diria um grande amigo e irmão meu, eu sou doente. Ninguém com uma mente totalmente sã poderia conceber algo tão obscuro e degradante.

Capítulo Único Não Havia Outro Lugar

Lucidez de novo.

Eu acho.

Quanto tempo faz desde a última vez?

Não sei.

Não lembro.

Não importa.

Não vai durar.

Queria poder contar para eles. Trancado, isolado, contido nesta e por esta camisa, sem lábios ou cordas vocais, na maior parte do tempo sedado ou incontrolável ou aos prantos ou catatônico... Nunca poderei. Vou levar comigo.

Quando eu morrer de novo.

O grande segredo que eu não deveria saber. Que assombra meu raro sono. Que despedaçou minha mente.

Para sempre.

Eu contarei para mim mesmo então. De novo. Contra minha vontade. Revelação recorrente e inevitável.

Maldita. Mil vezes mil maldita!

Pois bem: o Inferno.... Existe. Mas não é como pensam. É pior.

Bem pior. Tão pior!

Primeiro seu corpo (sim, feito de energia sólida, idêntico e tão sensível quanto o que ficou para trás) vai cair. Queda livre por um céu tomado de nuvens feitas de todo tipo de gases tóxicos que conhecemos e muitos outros exclusivos daquele lugar.

Você vai sofrer inúmeras deformações­ ao mesmo tempo em que vários relâmpagos vão lhe atingir de instante em instante, eletrocutando-lhe sem pressa, como que deleitando-se com os estragos. Trovões titânicos os acompanharão, explodindo dos tímpanos aos labirintos e além. Vez ou outra, tornados feito com os vapores hostis irão lhe esfolar ou lhe fatiar em cubos. Ou tiras. Ou ambos.

O ar cáustico e rançoso vai aniquilar suas narinas e devastar seus pulmões enquanto você descende em uma velocidade tão lenta que vai pensar que está flutuando. Sua agonia será tão grande que, não importa o quem você seja ou tiver feito, irá se arrepender. O desespero vai tomar conta de todo o seu ser e você vai desejar a Inexistência de todo o seu coração.

E muitos, tantos mais estarão despencando também! Um insano dilúvio de pessoas carcomidas por um infindável número de bizarros seres voadores, que irão igualmente lhe degustar usando garras, bicos e presas. O seu novo invólucro será refeito quando nada mais restar e você sentirá toda a agonia e devastação até o último pedaço.

De novo e de novo e de novo...

Eu sei que vai. Eu senti. Só que eu cai diferente. Rasguei aquele céu satânico como um cometa sangrento enquanto ele me retalhava também. Foi lá que perdi minha voz, engolindo sem parar todo aquele veneno enquato gritava feito o louco que me tornaria. Não pelo que falaram depois. Mas eles nunca vão saber.

Só eu.

Depois das longínquas alturas, você vai mergulhar em um oceano tão gélido que faria da nudez em quaisquer pólos uma piada hilária. Mas as águas não são límpidas: são uma mistura virulenta de produtos químicos, sangue, secreções venéreas, ranho, bile estomacal, fel, vômito, fezes liquifeitas, urina, pus e... algo mais. E tudo aquilo vai lhe afogar de modo contínuo e incessante, sem que você consiga perder a consciência um segundo sequer. Foi ali que meus lábios se foram, gangrenados até se dissolverem por inteiro.

Não do jeito que eles dizem que foi. Não MESMO!

Além da temperatura impossivelmente baixa lhe molestar de formas indizíveis, criaturas marinhas disformes e vorazes vão comer a massa imunda que você se tornará. Lutarão com afinco por cada naco infecto como se fosse um petisco dos deuses enquanto durar seu mergulho, que se seguirá em uma vagarosa trajetória circular, semelhante ao movimento de um gigantesco redemoinho em um vaso sanitário cósmico.

E novamente, um sem número de outros dejetos da mesma espécie que a sua o acompanharão naquela órbita asquerosa, sempre cíclica e rumo ao fundo daquela coisa viscosa, grudenta e pútrida. Mesmo em igual suplício, não segui o mesmo fluxo: idêntico a um rochedo se esfarelando e se formando dolorosamente, desci célere até penetrar o leito.

Não me detive (poderia?) nem fui detido.

Dali em diante, você atravessará o solo, um amálgama de terra escura e metal enferrujado. Farpas, pedras e grãos arenosos irão penetrar cada um de seus poros e orifícios, fazendo os seus conceitos de estupro e lesão serem redefinidos a um novo patamar.

Carne e ossos serão lacerados e esmagados bem devagar pelo atrito e pressão em um grau inexistente no que chamamos de mundo ou realidade. E como se fosse areia movediça, o terreno profanado por tantos outros infelizes apodrecidos e desmembrados vai lhe sugar cada vez mais para suas entranhas, em um escárnio monumental de ampulheta cujas frações cronológicas decaem uma eternidade de cada vez.

Junte isso ao fato de que você vai sofrer cada um dos estágios de decomposiçã­o de um cadáver sem deixar de sentir as demais dores e ainda será molestado e saboreado por bactérias, vermes, baratas, formigas e aranhas de dentro para fora.

O.

Tempo.

Todo.

Repetindo.

Sem.

Cessar.

Se soubessem disso, entenderiam o real motivo de meus cabelos escuros terem ficado grisalhos.

Não foi trauma da porcaria do acidente, droga! NÃO FOI! NÃO FOI, PORRA!

Acalme-se... Acalme-se... A...calme... se... isso. Não perca o controle. Isso. Onde eu estava? Ah, sim.

Somente eu atravessei o lugar como um filete de água escarlate e pastoso por entre a carnificina generalizada, sentindo tudo ficar mais e mais aquecido conforme me aproximava das fundações de tão cruel local. E quando finalmente as alcancei, adentrei pelas frestas incandescentes e peemaneci minha marcha involuntária.

Foi quando me deparei com aquele novo e opressivo ambiente que, a princípio e ao longe, parecia um infinito Vazio. Uma imensidão alva me cercou, me engoliu, me envolveu. Em um piscar de olhos, percebi que minha visão em qualquer ângulo ou perspectiva tremulava, semelhante a observação do asfalto quente ou do horizonte àrido do Saara ao sol do meio-dia. Uma onda de calor que empalideceria as que varreram Hiroshima e Nagasaki veio praticamente junto. Havia uma única coisa ali além de mim: o fogo. O potente, inextinguível e voraz ardor tão famoso nas lendas religiosas me dava as boas vindas sem me conceder qualquer outra escolha.

Desse ponto para frente, tudo vai se resumir à imolação absoluta na chamas excedentes às nucleares. Não alaranjadas ou negras, como julgam que seja: elas são invisíveis, pois a combustão de tudo todo aquele que lá chega é plena, perfeita. Com a intensidade gradual e irresistível, a energia ignea vai lhe tragar e consumir.

Seus pseudo fluídos corporais vão se aquecer até o ponto de fervura, cozinhando sua carne e fazendo sua língua e olhos secarem. Sua pele será inicial e cruelmente flambada até que se separe do restante da musculatura, que depois vai borbulhar e se desfazer como a parafina de uma vela. A essa altura, seus orgãos já estarão explodindo enquanto os ossos se incendiarão até que se fragmentem em cinzas, que também desaparecerão enquanto você se aproxima do núcleo da única parte daquele lugar que pensamos conhecer.

Ali não haverá gritos, choro ou ranger de dentes. Somente a consumição da sua matéria e a de incontáveis outras vítimas agregadas em um uníssono e eterno crepitar cujo incêndio se alimenta de seu imensurável sofrimento, pois quando enfim acaba, de imediato recomeça. E como um Quasar ainda mais agigantado, tudo e todos vão sendo sugados rumo ao centro e abaixo, onde a temperarura e a tortura se elevaram a um ponto que minha capacidade jamais será capaz de descrever.

Foi nesse ponto que minha sanidade foi igualmente incinerada.

Pois apesar de toda a imensurável dor, vi (senti) que não é o fim. Não... Não é.

Eu continuei seguindo em frente e em velocidade terminal como uma gota incandescente e horrenda cujas centelhas carnais se propagavam pelo caminho em um rastro horripilante e desprezível. E lá embaixo, no cerne flamejante, há mais alguma coisa.

Um buraco. Um abismo tão negro que a escuridão do Cosmos se tornaria um farol diante dele. Era a entrada do Inferno. Do VERDADEIRO Inferno. E para lá eu rumei, com minha existência já refeita pela enésima vez e enlouquecido por tudo aquilo. Só que diferente das outras caricaturas humanas em idêntico e renovado terror, não cheguei a entrar nas trevas abissais.

Alguém... Não, alguma coisa me impediu, esmigalhando meu ombro e rasgando parte dele na medida em que me empurrava para trás e para o alto com a força de um trilhão de pessoas. E-E-E-E-E-Ela falou comigo... Com aquela voz do outro mundo que me... me... me...

"Não. Ainda não. Mas em breve você virá, como todo o resto acima. Como desde o Começo até o Final dos Tempos.

Até porque para vocês... Nunca houve outro lugar para ir além deste."

A grotesca marca disforme e profunda no meu corpo... Falam que foram as ferragens. Há! Ferragens! FERRAGENS, PUTA QUE PARIU!

(gargalhadas desagradavelmente roucas misturadas com choro histéricos e movimentaçã­o furiosa desmedida)

Meu Deus, meu Deus, meu Deus, meu Deus (?), meu Deus do céu... (que Deus? Que céu?!) Será que Você existe? Então... Por que me deixou nascer?! Por quê?! POR QUÊ?! Mentiroso! Onde estava o seu amor? Me diz aonde existia o seu perdão ali!

Me soltem! Me deixem viver antes que eu...! Socorro! Socorro!

Alguém me ajuda! Me deixem sair! Me deixem explicar! Eu não sou louco, seus desgraçados! Não, o quê vocês...?Não! Me larguem, seus filhos da puta! Não, injeção de novo não! Não, não, não, não, não, não, não, não, por favor! Por favor, por favor, eu imploro! Nã...

(som de porta se fechando enquanto um par de lágrimas e uma generosa trilha de saliva escorrem por um rosto de expressão contrita rumo ao chão acolchoado)

❖❖❖
Notas de Rodapé

Fico extremamente agradecido por sua leitura e por quaisquer reviews!

Apreciadores (4)
Comentários (2)
Comentário Favorito
Postado 25/11/17 23:04

MINHA NOSSA NOSSA NOSSA!!!

Poderia haver um texto melhor a ser indicado???

Cada sensação, cada aspecto citado... Eu creio veemente que o inferno é assim, as nuvens, o pus, os mares nojentos, os raios atravessando a pele, uma queda infinita, você se arrependendo até pelo que não tem certeza se tem culpa ou não...

Genial. Majestoso. Riquíssimo! Que narrativa intensa que foi cansando a minha carcaça só de imaginar que algum dia, se eu continuar sendo esse lixo, eu irei parar em algum lugar como este...

Eu me pergunto como o senhor pode ter conseguido descrever tudo isso sem ao menos ter estado lá... Mas aí eu me lembro que eu mesma já senti boa parte disso, só uns quinze minutinhos antes de dormir.

O inferno está mais próximo de nossa pele do que imaginamos!

Não tem palavras para eu descrever o quanto eu amei esta obra!!! Mesmo... Então vou encerrando por aqui, te parabenizando pela grandiosidade deste conto que me cortou em cubinhos e me fritou com sal e cebola.

Parabéns, que autorzão da porra!

Postado 26/11/17 07:57

SATAN!

Teria como receber um comentário mais precioso e enaltecedor, que rouba palavras e sorrisos do autor que o recebeu? Acredito ser muito difícil!

Ganhei o ano com este feedback tão positivo e entusiasmado. Mas, a senhorita está longe de ser lixo, Srta Janeiro: como autora, pessoa e mulher, a senhorita me é uma preciosidade rara, um autêntico mulherão da porra!

Muitíssimo obrigado, de todo o meu maldito e enegrecido coração! Gratíssimo! Gratíssimo!

Postado 25/07/16 10:56

Tenho que agradecer ao chefinho por esse emblea de frist! Miço, como assim você tem um texto magnífico desses e eu não sabia? Affff Maldade isso! Eu deveria ter entrado na AC mais cedo, só acho! *----*

Postado 25/07/16 18:24

Boba... Leu e comentou só por causa do emblema... Que feio, senhorita. Que feio.

Mesmo assim, muito obrigado pelo comentário tão positivo!

Postado 25/07/16 18:54

Eu não estava presente da Academia Carinhosa nessa época, você não falou nada sobre esse texto e eu não tenho tempo pra sair lendo tudo de todo mundo... Aculpa é sua! u__u

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