Luiz é um pai doente. Não falo de uma doença biológica, sim uma doença mental... Talvez da alma, só isso explica o por quê desse filho da p... Trancar a filha dele durante vinte anos. Ele pensa que a menina vai se infectar se for na escola, no mercado ou em qualquer lugar. Raras vezes ele a deixa sair de casa, só mesmo para ir à igreja ou à casa da avó, e mesmo assim, ele fica colado com ela, lado a lado, espreitando e ouvindo tudo.
Essa mania insuportável de se achar tão incrível a ponto de pensar que tem poder sobre cada passo da filha, surgiu no primeiro ano de seu casamento, logo após sua esposa dar a luz, conheceu um homem que trajava uma roupa inteirinha preta, incluindo as luvas, este homem a seduziu com palavras e promessas e quando ele menos percebeu... Sua esposa se foi.
Um comedor de casadas á solta...
Desde aquele dia, ele jurou que jamais deixaria com que a filha se intoxicasse com estes homens... O único homem, amigo, amor e confidente na vida da filha teria de ser ele! Somente assim para ela ficar livre do pecado.
Mas, como eu conheço bem cada pensamento deste verme, sei que o pior pesadelo de todos, é que este homem um dia surja e com um simples toque... Uma simples palavra, leve consigo o maior tesouro de todos: Julia, a menina - que nem mais menina era.
E digo mais... Como também conheço cada pensamento de Julia, sei que o pai dela já perdeu a tempos... A obssessão louca do velho, fez com que ela se atraísse sexualmente por tudo que fosse perigoso... Por algum motivo que eu JURO não fazer parte, ela se atrai por um tipo de fetiche que consiste em se vestir todinha de látex preto.
Jamais saberemos a razão... Talvez Freud possa explicar.
Todas as investidas do pai para mantê-la em segredo da sociedade e de qualquer mosca que ouse sobrevoar seu quarto, foram vãs. Ela tem todos os luxos, as roupas que quer, os doces que deseja... O que mais uma menina pode querer?
Uma ira considerável foi sendo tecida dentro da alma da menina. Que de alguma maneira que eu também JURO não fazer parte, conseguiu um celular em segredo, e em segredo, ela também se comunica com um grupo de pessoas bem excêntricas.
"Vai ser hoje à noite" - foi a última mensagem que chegou em seu celular.
Julia arremessou o celular contra a parede e o triturou pisando em cima. Varreu cada átomo para uma pá de lixo e jogou pela privada o que restara.
A moça apenas se sentou em sua cama e aguardou.
Lá fora, dia 31 de Outubro, as crianças passavam de casa em casa - Gostosuras ou Travessuras?! - e ela respirava um ar quente a cada frase de felicidade que ouvia.
Em seu peito ela gritava que sua liberdade logo cantaria, como um doce canário que arranca os olhos de um coelho. Ela observava as ruas enfeitadas, a iluminação, as cores: laranja, preto, verde fosforescente, vermelho, preto... Marrom... Vermelho... Só conseguia pensar no vermelho, que antes de seu plano, significava amor, fome ou sexo. E agora, significaria apenas vingança.
Por entre as grades da janela, ela avistou apenas um conjunto de cores negras... Uma figura esguia e corpulenta vindo em direção à sua casa. Seu coração sorriu. Aquele ser misterioso trajava preto dos pés à cabeça. Ela sentiu a excitação subir-lhe pelos nervos.
E então ela aguardou a campainha...
Bliiiim-blom
"Aqui nesta casa não se comemora o Halloween, vá em outra casa!" - ela ouviu as últimas palavras de seu pai.
Foi como um silêncio permanente... Depois uma única batida, um barulho seco que depois se tornou molhado.
E então... Som de pés pesados batendo contra os degraus velhos da escadaria.
"Estou aqui..." - ela clamou através da porta branca que estava trancada.
Com um só golpe, aquela figurassa toda preta colocou a porta no chão e, com um suave gesto de suas mãos que trajavam uma luva espessa, ele a convidou à um mundo novo.
Julia arregalou os olhos e lambeu o lábio inferior.
Aquela mão negra estendida, era seu livramento, sua ponte para o paraíso... E ela o aceitou.
Estavam quase saindo de casa, depois de a terem saqueado, levando jóias, dinheiro, tudo que havia de mais caro, foi quando Julia pensou, por um segundo, em arrependimento... No entanto, lembrou-se de seus vinte anos que foram jogados pelo ralo, com aquele velho imundo que a trancafiara.
Ele não era seu guardião, não era seu pai, era um demônio!
A moça foi até o corpo estendido no chão, que ainda estava quente e ainda a parecia observar com um pesado olhar profundo, foi então que, sem dó nem piedade, tomou a arma que possuía um silenciador, das grandes mãos do figurassa preto e esmirilhou sangue por toda a sala, mudou a decoração, tingiu de vermelho os sofás brancos, pintou o teto, pintou as cortinas, e não cessava de atirar naquele velho imundo.
O corpo asqueroso dele virou uma peneira e ela não cessou de atirar até que as balas acabassem.
Quando finalizou seu trabalho, pôde finalmente vestir sua máscara preta que lhe cobria o rosto todo, sem deixar um só pedaço de pele facial à vista, olhou pela última vez para aquele estrume senil e gargalhou com vitória.
"Você jamais teve controle sobre mim, ou sobre qualquer coisa, velho... Você é o demônio, aqui. Eu conquisto agora, a minha liberdade!" - ela cuspiu naquilo tudo, que estava por toda a parte.
Aos gargalhos e passassão de mãos aqui e ali, o casal triunfante abandonou a casa.
Deixando-nos a sós, o velho e eu.
"Que que há, velhinho?" - eu zombei daquele boçal, saí de dentro de seus ouvidos, abandonando aquele corpo que nunca estivera vivo, bem ali na sala de estar.